Um poeta que canta, elogiando, o roubo, não fará com isso um bom poema; nem
o fará um poeta moderno a quem lembre cantar o curso do sol à volta da Terra,
que é uma cousa falsa.” (Fernando Pessoa, Obras em prosa. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 1986 (6ª
reimpressão da 1ª edição), p. 223.)
Desde que a liberdade de expressão passou a ser fervorosamente
defendida como a garantia de que toda mensagem, por mais escandalosa que seja,
está acima de qualquer obstáculo à sua difusão, ficou difícil distinguir a
censura tirânica da que é sensata e necessária quando a linguagem é usada para
a difusão de obscenidades e de transgressão. É assim com o cinema, é
assim com os videojogos, dos quais GTA causa polêmica pelo conteúdo
estúpido e abominável.
Causam espanto as decisões tomadas pelo jogador, que atira e mata
levianamente. Embora seja possível dizer que, quando controla a personagem,
está ele realizando no mundo ficcional crimes de forma socialmente aceitável
por não prejudicar a sociedade real, o que, tanto do ponto de vista metafísico
como do ponto de vista psicológico, constituiria a catarse (purificação) da
alma, repleta de desejos antissociais, é preciso saber o motivo por que pessoas
fazem a catarse justamente com GTA, e não com outros jogos.
Identificar-se-iam com criminosos?
É preocupante a identificação que o jogador estabelece, sobretudo
se ele é um brasileiro que vive numa comunidade reconhecidamente pobre e
dominada por criminosos (fardados ou não). À luz da teoria de que o que
se vê e o que se ouve moldam o inconsciente, supostamente ditador de muitas
ações humanas, que se pode dizer de um simulador de roubos e assassinatos que
proporciona a crianças (não se respeita a censura mascarada com a rubrica da
classificação indicativa ou coisa perecida) e adultos um aprendizado que não
idealizariam nem as melhores escolas do crime concentradas nas prisões? (das
quais a legislação protege as crianças).
Estão corretos os que, como eu, não veem beleza no jogo da Rock Star, ainda que exagerem nos
argumentos de condenação, que, aliás, mesmo quando não são exagerados, são
refutáveis. Comparar a influência de GTA à da
propaganda, por exemplo, é apresentar fraco argumento, porque esta se
consolidou com a autopropaganda, que tornou invisível a verdade de que as
pessoas compram produtos por necessidade, e não por verem anúncios caros e
fantasiosos. Contudo, não se trata de dizer qual argumento é mais forte,
mas sim de fazer com que jogadores enxerguem que GTA prejudica
a imagem dos jogos aos olhos dos leigos, entre os quais há os que poderiam
lutar pela diminuição de impostos sobre eles, que são uma arte e uma indústria
tão bonitas quanto o cinema e o teatro.
Já chegou a hora de pararem de censurar a censura para que seja
possível uma restrição maior ao faz de conta de GTA, que tem
ofuscado jogos de bom gosto, jogos esses que estão de acordo com certos padrões
éticos. Quando internalizados, permitem
eles a melhor censura possível: a que o próprio jogador faz a si mesmo antes de
comprar porcarias ou nelas se viciar.
(Duque de Caxias, em 5/2/2015, no
Facebook. Últimas alterações feitas em
Teresópolis, em 4/12/2015.)
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