domingo, 8 de março de 2015

CONSIDERAÇÕES SOBRE GTA

 
CONSIDERAÇÕES SOBRE GTA


         “As relações entre a arte e a moral são análogas às entre a arte e a ciência.  (...)
       Um poeta que canta, elogiando, o roubo, não fará com isso um bom poema; nem o fará um poeta moderno a quem lembre cantar o curso do sol à volta da Terra, que é uma cousa falsa.”  (Fernando Pessoa, Obras em prosa.  Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 1986 (6ª reimpressão da 1ª edição), p. 223.)

       Desde que a liberdade de expressão passou a ser fervorosamente defendida como a garantia de que toda mensagem, por mais escandalosa que seja, está acima de qualquer obstáculo à sua difusão, ficou difícil distinguir a censura tirânica da que é sensata e necessária quando a linguagem é usada para a difusão de obscenidades e de transgressão.  É assim com o cinema, é assim com os videojogos, dos quais GTA causa polêmica pelo conteúdo estúpido e abominável.
       Causam espanto as decisões tomadas pelo jogador, que atira e mata levianamente.  Embora seja possível dizer que, quando controla a personagem, está ele realizando no mundo ficcional crimes de forma socialmente aceitável por não prejudicar a sociedade real, o que, tanto do ponto de vista metafísico como do ponto de vista psicológico, constituiria a catarse (purificação) da alma, repleta de desejos antissociais, é preciso saber o motivo por que pessoas fazem a catarse justamente com GTA, e não com outros jogos.  Identificar-se-iam com criminosos?
       É preocupante a identificação que o jogador estabelece, sobretudo se ele é um brasileiro que vive numa comunidade reconhecidamente pobre e dominada por criminosos (fardados ou não).  À luz da teoria de que o que se vê e o que se ouve moldam o inconsciente, supostamente ditador de muitas ações humanas, que se pode dizer de um simulador de roubos e assassinatos que proporciona a crianças (não se respeita a censura mascarada com a rubrica da classificação indicativa ou coisa perecida) e adultos um aprendizado que não idealizariam nem as melhores escolas do crime concentradas nas prisões? (das quais a legislação protege as crianças).
       Estão corretos os que, como eu, não veem beleza no jogo da Rock Star, ainda que exagerem nos argumentos de condenação, que, aliás, mesmo quando não são exagerados, são refutáveis.  Comparar a influência de GTA à da propaganda, por exemplo, é apresentar fraco argumento, porque esta se consolidou com a autopropaganda, que tornou invisível a verdade de que as pessoas compram produtos por necessidade, e não por verem anúncios caros e fantasiosos.  Contudo, não se trata de dizer qual argumento é mais forte, mas sim de fazer com que jogadores enxerguem que GTA prejudica a imagem dos jogos aos olhos dos leigos, entre os quais há os que poderiam lutar pela diminuição de impostos sobre eles, que são uma arte e uma indústria tão bonitas quanto o cinema e o teatro.
       Já chegou a hora de pararem de censurar a censura para que seja possível uma restrição maior ao faz de conta de GTA, que tem ofuscado jogos de bom gosto, jogos esses que estão de acordo com certos padrões éticos.  Quando internalizados, permitem eles a melhor censura possível: a que o próprio jogador faz a si mesmo antes de comprar porcarias ou nelas se viciar.

       (Duque de Caxias, em 5/2/2015, no Facebook.  Últimas alterações feitas em Teresópolis, em 4/12/2015.)

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