sábado, 31 de dezembro de 2011

Teresópolis, início de 2011.

Crônica

O NAMORO NA INFÂNCIA

Por

Márcio Alessandro de Oliveira
  
     Ano passado (2010), no Terceiro Distrito de Duque de Caxias, durante a aula de um curso de inglês que fazia aos sábados pela manhã, fui presenteado (por assim dizer) com uma história que dá assunto a este texto.  Antes de iniciar a aula, a professora contou que o aluno mais novo da classe, um menino de doze anos, trocara beijos com a filha dela no ônibus de uma excursão escolar dias antes: ele era namorado da menina.  O fato de a história se tratar de crianças intrigava a maioria dos integrantes da classe, que era adulta (eis aí algo interessante nos cursos complementares: pessoas mais velhas se reunem numa mesma sala com outras muito mais novas).  Entretanto, era louvável a postura da professora.
     Muito bem-humorada, ela (que não testemunhara a troca de beijos) não só revelou a história como também fez comentários divertidos e favoráveis ao namoro (afinal, o “genro” era bom aluno).  Aquela atitude me fez transbordar de admiração.  Enquanto discorria sobre o namoro da filha, estava a professora mostrando que aceitava as leis da natureza.  Não havia nenhum vestígio de puritanismo em suas observações.
     Mas nem todos pensavam como ela.  Sentada ao meu lado, uma amiga de longa data, que fizera o curso Normal, e dava aulas numa escola para crianças, manifestou uma opinião: disse-me que a escola não devia ter permitido a demonstração de afeto no ônibus.
     — Por que não? (perguntei).
     — Porque ela e ele são muito novos (respondeu-me).
     — Os dois namoram de acordo com a idade deles (retruquei), e não como pessoas de quinze ou dezesseis anos namorariam. Eles não fizeram nada que você não faria no lugar de um deles.
     Ela insistiu:
     — Mas a escola não deve incentivar esse tipo de comportamento.
     — Tampouco deve fazer o contrário (rebati); e, pelo que sabemos, não houve incentivo nenhum. Acho que você está sendo moralista.
     — Mas a escola não deve permitir algo assim (disse-me, convicta).
     — Eles se beijaram no ônibus de uma excursão (falei), e não em sala de aula.
   Ficamos calados.  A professora ainda arrancava algumas risadas da turma e continuava a dar opiniões em favor do namoro da filha.  Por fim, recomecei o debate:
     — Alguns adultos só veem nas crianças a malícia que eles mesmos têm.
   Minha amiga, como quem se agarra ao último fio de esperança, apresentou o último argumento:
     — Você não fez o curso Normal: não é professor; é uma "pessoa de fora".
     Aborrecido, repliquei rapidamente: 
     — Esse argumento é muito frágil! Acaso tenho de ser médico para saber de uma doença ou ter alguma para reconhecer os sintomas?
     Não houve respostas: a professora já começara a dar aula, e nossos cérebros ficaram ocupados com verbos e expressões da terra do Tio Sam.
     Pelo que exponho, é possível concluir que ainda há quem insista em proteger as crianças de supostas perversidades.  Minha amiga não foi a primeira nem será a última a pensar dessa forma.  Só tenho que lamentar.  Ela falou como se a opinião geral e instituída no curso Normal fosse a de que crianças não devem namorar, nem na escola, nem em lugar nenhum.
     Ainda veem-se as crianças como seres inferiores que não têm o direito de se beijar nos lábios.  Mesmo que esse modo de pensar tenha motivos de natureza psicológica e cultural (e não científica), os que têm um diploma de magistério ou de pedagogia, quando não encontram mais apoio nem na lógica nem no bom-senso, agarram-se ao título que têm para que possam dizer o que as crianças podem e o que não podem fazer.  Ao justificar uma opinião conservadora e moralista sobre o que ocorreu no ônibus com a graduação, minha amiga provou que essa tese é verdadeira: Muito embora seu professorado não tivesse nada que ver com seu ponto de vista, ela o usou para condenar a prática do namoro de duas crianças (às quais sou muito grato, porque geraram tema para esta crônica existir) e a sua escola; mas se não fosse professora, pensaria do mesmo modo.
     Não aceito o argumento de que crianças não podem namorar.  Proibi-las de fazê-lo não adianta nada (e só adia o inevitável).  Pode o namoro de duas crianças ser motivo para os pais se preocuparem com promiscuidade ou gravidez indesejada?  (Não que a capacidade de procriar seja um motivo suficientemente bom para impedir namoros: se fosse desse modo, a grande maioria dos adolescentes seria trancada em casa.)
     Há um oceano de indagações a respeito de tudo que cerca o mundo de meninos e meninas que não saíram da infância — um oceano em que muitos pais se recusam a mergulhar, pois preferem um porto seguro, talvez com a justificativa de que devem preservar “a flor da inocência” dos filhos.  E nesse oceano, além de existirem questões sobre a morte, o combate à pedofilia e as já conhecidas “pulseiras do sexo”, forma-se uma onda particularmente forte e categoricamente ignorada, que é a paráfrase de uma pergunta da psicóloga Rosely Sayão: Quando a responsabilidade pela educação sexual dos filhos será assumida pelos pais?
     Talvez isso aconteça quando pararem de se preocupar com a música “Atirei o pau no gato” — que tem sido repudiada há algum tempo — e encararem questões mais sérias.

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