sábado, 31 de dezembro de 2011

Teresópolis, início de 2011.

Crônica

MINHA NAMORADA IMAGINÁRIA

Por

Márcio Alessandro de Oliveira

     Não quero que pareça que tenho por modelo o filme A Mulher invisível. Acontece que algumas circunstâncias me levam ao teclado para escrever sobre uma figura: minha namorada imaginária, Sofia.
     Ah!, Sofia!  Que moça fantástica!  E pensar que seu nome é também, num poema que compus certa vez, o pseudônimo de uma menina (real) por quem fui apaixonado dos quinze aos dezenove anos (ela nunca quis nada comigo, devo dizer, mas isto talvez seja assunto para outra crônica). Namorada melhor eu não poderia ter (nem imaginar)!  Sofia é taciturna; portanto, não me incomoda com nenhum falatório frívolo e enfadonho. Não é por menos: ela não tem “melhor amiga”.  Na verdade, não tem nenhuma amiga.  Jamais, então, serei trocado por uma intrometida.  Minha companhia será sempre única.
     Quando estou fazendo algo de que gosto, não me interrompe, e isso me permite dar mais atenção a mim mesmo e a meus passatempos (telejogos, livros, músicas, etc.) do que à própria Sofia. Mas ela não reclama, nem me paga com a mesma moeda: não é como as outras meninas, que acusam os namorados de um tratamento desatencioso que elas também dispensam a eles, embora digam que não.
     Por me amar incondicionalmente, Sofia só vai ao cinema ou a outro lugar quando eu quero: se for meu desejo ficar em casa para ver Guerra nas Estrelas ou jogar The Legend of Zelda: Ocarina of Time, não ficará triste, nem insistirá dizendo que quer sair; tampouco pedirá para eu ver Crepúsculo ao seu lado em vez de continuar com meus entretenimentos.
     Quando saímos, porém, ela não se importa com que eu não lhe pague a merenda (lanche), pois aceita meu elevado grau de avareza (e de que lhe adiantaria fazer o contrário, se não precisa de comer?).  Só lamento que também não possa pagar nada quando passeamos.
     Sofia não dá a menor importância aos objetos atrás das vitrines, e não me pede nada. Joias, flores, vestidos todas essas coisas recebem seu desprezo. Quando vê uma garota bonita, não fica com inveja, nem lhe põe defeitos. E quando eu vejo, também não, pois é muito condescendente com meu gosto pelo estudo da anatomia feminina.  Ela própria é uma maravilha que tenho o prazer de contemplar todas as vezes em que fecho os olhos.  Com grande beleza e corpo esbelto, quase não ocupa espaço em meus pensamentos, nem sobrecarrega minha mente com seu peso.  Reter sua imagem em meu consciente, além de tudo, é muito fácil.  E assim será sempre: Sofia jamais engordará!  Também jamais será feia e velha (e, naturalmente, só eu posso vê-la e ouvi-la, ninguém mais!).
     Por esses motivos, Sofia também sente indiferença pelos tratamentos de estética e emagrecimento, e pelos cosméticos mostrados em revistinhas.  Logo, ela não usa maquilagem, não alisa o cabelo, não passa horas e horas com um secador de cabelo ou com uma máquina na cabeça para fazer permanente, e também não faz as unhas — não só porque não pode tocar e segurar objetos, mas também porque minha imaginação a poupou desses sacrifícios: criei a garota perfeita, cuja beleza não pode ser desfeita, nem aumentada com coisas fúteis e caras. Não sou obrigado a suportar o cheiro de esmalte e de acetona, nem a suportar barulho de secador (muito menos a gastar dinheiro com esses produtos ou a pagar mais pela energia elétrica).  O único cheiro que sinto (ou imagino sentir) perto de Sofia é o aroma que seus poros irreais exalam; e todos os sons que produz são agradáveis.
     Outras coisas também fazem de Sofia uma garota extraordinária.  Poder vê-la sem sair de casa é uma delas.  Outra namorada me faria ir à sua casa (que na verdade seria a dos pais) e passar pela avaliação deles.  Não tenho sogros que nos vigiem como ferozes cães de guarda, o que me permite fazer tudo que quiser com ela.  Mas pior do que a censura de sogros seria ter de entrar no quarto de uma namorada e encarar Luan Santana num pôster pendurado na parede.  Ora, Sofia não admira nenhum outro rapaz além de mim, e o que é mais importante não tem um quarto que não seja o meu!  Durmo com ela sem nenhum incômodo, porque não me dá pontapés, não me empurra, não me tira espaço, não puxa os cobertores, não me esmaga, não solta “ventosidades”, não acorda com bafo de cão, nem com o rosto inchado.
     Não ter de usar dispositivos anticoncepcionais é mais um fator determinante para Sofia ser a garota ideal. Posso ficar despreocupado, porque ela é estéril. Então, jamais me dará uma prole (imaginária) para criar.  E, o que também é magnífico: ela não me transmite doença nenhuma!
     Por não querer que usemos alianças ridículas como alguns namorados andam fazendo hoje em dia, Sofia me poupa do constrangimento de carregar o símbolo de uma união que pode perfeitamente ser transitória.  (Muito mais apropriado seria que quisesse nos ver usando coleiras de uma vez, caso tivesse vontade de exibir enfeites que simbolizassem nosso relacionamento.)
     Contudo, por mais fantástica que seja, não tenho intenção de ser fiel a Sofia a vida toda.  (Se lhe colocar um par de chifres na cabeça imaterial, poderei ficar tranquilo, pois sei que jamais farei parte das estatísticas de namorados assassinados).  Ainda que tenha criado a garota ideal, não pude superar todas as barreiras entre a realidade e a fantasia: Sofia não pode cozinhar, lavar ou passar.  Não é à toa que seu nome é Sofia, e não “Amélia”.  Não pode ser uma companheira, porque sequer tem voz própria: o pouco que diz sou eu quem inventa.  Mas também aqui exponho uma semelhança entre criador e criação: assim como Sofia não serve para as tarefas domésticas, eu também não sei fazer muitas coisas que se esperam de um homem, jovem ou não: não sei usar máquinas de parafusar, não sei instalar chuveiros elétricos, não sei consertar tomadas, não sei montar armários, não sei nem trocar botijões de gás!  Enfim: não sou prendado. Somando minha inépcia a todos os defeitos que faltam em Sofia e que sobram em mim, concluo que mil vezes desgraçada seria a moça (real) que se casasse comigo!
     Aí nota o leitor (e até a leitora, mesmo que esteja zangada comigo) o estado deplorável em que me encontro: não de insanidade, mas de falta de senso de ridículo: preferi descrever uma garota invisível e preencher um espaço com uma grande pilhéria em vez de discorrer sobre coisas mais sérias durante todo o tempo que gasto para redigir esta crônicauma crônica que deve ser tão ruim para alguns amantes da palavra escrita quanto o filme A Mulher invisível deve ser para alguns cinéfilos. Além disso, outras coisas muito mais úteis para a sociedade (ou, pelo menos, para uma família) poderiam ser feitas enquanto escrevo, como, por exemplo, aprender a usar máquinas de parafusar.
     Devo fazer isso em breve.  Terei o total apoio de Sofia, mesmo que ela não exista de verdade. Talvez seja por isso que eu goste tanto dela.

Nenhum comentário:

Postar um comentário