sábado, 31 de dezembro de 2011

                              
MENSAGEM PARA HARRY POTTER

     ((16/6/2012.)  AVISO: Não deve ler todo este texto quem não sabe o fim de Harry Potter e as Relíquias da Morte, o sétimo livro da série, a menos que queira saber qual das personagens Harry e Voldemortvence.  Contudo, a partir do terceiro parágrafo não há perigo, embora a curiosidade possa ser traiçoeira e fazer com que os olhos "escorreguem" para os parágrafos "proibidos", que são os dois primeiros.  Deverá o leitor, portanto, ter autocontrole, se não quiser saber coisas que estão nos livros que ainda não leu.)

             Teresópolis, 27 de julho de 2011.                          

      Prezado Harry:

     Muito lhe sou grato por suas peripécias.  Se não fosse por elas, jamais, nesta era tão cientifizada pelos trouxas, o nome de Nicolau Flamel e a lenda da Pedra Filosofal poderiam rever a luz do dia, e eu nunca me interessaria tanto por eles.  O mesmo vale para as vassouras, para os gatos que leem placas, para os carros voadores, para o hipogrifo, para os enigmas e jogos de palavras, para os duelos de varinha, para as poções, para a busca pela verdade típica dos romances policiais, para a necessidade de lutar pelo que é certo, para a importância de não aceitar coniventemente o que dizem os jornais, para a necessidade de enxergar o que há por detrás da ordem vigente, para a necessidade de mais tolerância, para a luta contra a tirania, etc.
     Imagino que esteja agora levando uma vida tranquila (excluindo o fato de que se tornou auror) desde 1998 ao lado de Gina, Tiago, Alvo e Lílian; mas saiba que seus atos jamais serão esquecidos por nós, trouxas.  São tantas as coisas que fez.  No primeiro ano em Hogwarts, você impediu que aquela magnífica gema, a Pedra Filosofal, caísse em mãos erradas; no segundo, destruiu o diário de Riddle, com o qual ele podia comandar o basilisco, cuja função era matar os chamados sangues-ruins; no terceiro, descobriu quem havia traído seus pais na época em que Voldemort ascendia ao poder; no quarto, depois de enfrentá-lo disposto a morrer — coisa que ele jamais faria, já que temia a morte mais que tudo — avisou à comunidade bruxa o seu retorno; no quinto, foi oprimido e ridicularizado por ela, mas no fim acreditou em você; no sexto, descobriu o que tinha de fazer para matar Voldemort, enquanto ele e seus seguidores ameaçavam famílias e assassinavam pessoas; e, finalmente, munido das informações do maior bruxo que conhecera, pôs-se a fazer o que devia para liquidar seu inimigo e restaurar o mínimo de justiça, e conseguiu — porém não porque fosse mais forte ou mais inteligente que ele, e sim porque você estava certo, e ele, errado.  Contudo, o seu maior feito foi fazer uma geração gostar de ler — e ler é um exercício da imaginação, e também um estímulo do pensamento crítico. 
     Obviamente há, por assim dizer, os trouxas (fools) que dizem bobagens sobre você. (Pessoalmente, não gosto de gírias, mas esta, que a meu ver cai muito bem nas versões brasileiras de seus livros como tradução de muggles, é perfeita para caracterizar os parvos que o menosprezam categoricamente.)  Basicamente, dividem-se os seus detratores em dois grupos: o dos que o acusam de bruxaria, e o dos que o acusam de não passar de fancaria literária.  Portanto, há os que o criticam tão só por causa do conteúdo, e há os que o criticam por causa da forma; mas tanto por uma coisa como pela outra você se salva.  Ora, qualquer mentecapto que tentar fazer um de seus feitiços verá que é uma absurdeza dizer que você incentiva a bruxaria.  Não sei como são os antipótteres ingleses, mas os de meu país, o Brasil, ainda que encontrem adesão, não têm tanta influência: neste país, desde cedo ouvimos falar da Cuca e de macumba.  Quanto às acusações de fancaria literária, estas partem justamente dos que não leem suas histórias.  O estilo de sua mãe pode agradar aos mais diversos gostos: é preciso apenas enxergá-lo.  O estilo artístico — e não o estilo no sentido amplo da palavra — é o que se consegue pela estilística, “o conjunto de regras pela obediência das quais se obtém o estilo” (Diógenes Magalhães, Redação com base na linguística (e não na gramática), pág. 55), e ele está presente em suas histórias.  Do ponto de vista da linguística, sua mãe só “errou” ao usar o pronome you indevidamente.  Lemos, no início da edição britânica do seu primeiro livro, o seguinte: “They were the last people you'd expected to be involved in anything strange or mysterious, because they just didn't hold with such nonsense.”  Não sei como os outros tradutores verteram esta frase, mas na tradução brasileira, feita por Lia Wyler — mulher pela qual tenho profunda admiração — o pronome você (que se traduz em inglês por you) não aparece: “Eram as últimas pessoas que se esperaria que se envolvessem em alguma coisa estranha ou misteriosa, porque simplesmente não compactuavam com esse tipo de bobagem.”  (Faço aqui a retroversão, que para você será mera paráfrase: “They were the last people someone had expected to be involved in anything strange or mysterious, because they just didn't hold with such nonsense.”)  Por mais onisciente que seja o narrador, não pode ele dizer o que um leitor específico esperaria.  Podemos raciocinar assim: Se uma mulher me falasse:
     — Quando você dá à luz, sente muita dor.
     Eu poderia muito bem responder:
     — Eu não!  Não sou mulher!
     Agora: se ela falasse:
     — Quando a mulher dá à luz, sente muita dor.
     Eu responderia:
     — Quando o parto é por vias normais, sim.
     (Não sei que meios têm os bruxos para fazer o parto de bebês, porque não sei o quanto a medicina de vocês avançou, mas as mulheres trouxas ainda sofrem um pouco quando escolhem não ter a barriga cortada, embora haja anestesia local.)
     Há outro exemplo do mau uso do pronome you, que se encontra na página 98 da edição britânica do primeiro livro, mas o que aí fica basta.  Entretanto, essa linguagem não estraga o registro de sua história, pois está repleto de construções sofisticadas (ainda que existam exemplos do mau uso do gerúndio).  Devo dizer, porém, que fico feliz pelo fato de a tradutora Lia Wyler, apesar de fiel, não ter sido servil (afinal, o que se traduz é a ideia, e não a palavra): ela não usou o pronome você de maneira inadequada.  Por outro lado, na versão dela se lê CAPÍTULO UM, mesmo que o ideal seja CAPÍTULO PRIMEIRO, e também se lê “os Potter”, “os Weasley”, “os Malfoy”: Deveriam ser usados os numerais ordinais, e os sobrenomes deveriam ficar no plural; assim: os PóttereS, os WeasleyS, os MalfoyS.  (Isto é culpa dos jornalistas brasileiros, que pensam que sobrenomes não têm plural, e espalharam a moda de usá-los sempre no singular.)  Talvez seja difícil entender, já que sua língua materna é o inglês, mas ninguém aí, na Grã-Bretanha, diz:  “the Potter”, quando se refere a todos os integrantes de sua família: todos dizem: “the PotterS”.  Nesse país, ao que me parece, todos podem ler: CHAPTER ONE, em seus livros, mas aqui muito melhor seria se se lesse: CAPÍTULO PRIMEIRO, que equivale a FIRST CHAPTER.  Mas o pior de tudo é saber que até ao momento em que isto escrevo os erros de tradução, como o que está presente na página 259 da edição brasileira do sétimo livro, em que se lê a palavra dementadores (dementors) no lugar da expressão Comensais da Morte (Death Eaters), não foram corrigidos, já que não recebem atenção da editora e dos revisores brasileiros, cuja incompetência só não supera o espírito de porco
     Sabemos que não foi fácil traduzir você.  Lia Wyler bem disse que trabalhou na mais negra escuridão enquanto transladava a narração de sua história: não saber dos fatos com antecedência deve ter sido um obstáculo que ela nunca havia enfrentado por tanto tempo, posto que sua história foi publicada no Brasil aos poucos durante quase uma década (como aconteceu em outros países).  (Imagino que os vertedores lusitanos tenham enfrentado os mesmos problemas, pois isso aconteceu com todos os seus tradutores, mas gostaria de que ficasse bem claro que os leitores lusitanos podem apreciar a tradução brasileira de Harry Potter, e vice-versa: a língua falada e escrita no Brasil é a mesma falada e escrita em Portugal.  Afinal, não existe dicionário de Português Brasileiro—Português Lusitano, assim como não existe dicionário de Inglês Britânico—Inglês Norte-americano.  Muito embora nenhum dos países a que me refiro seja um todo linguístico (nenhum lugar é), a língua é a mesma no Brasil e em Portugal: há apenas preferências na escolha de palavras, pois o vocabulário ativo (o que usamos ao falar ou ao escrever), o passivo (o que não usamos, mas reconhecemos) e o ignoto (o que não conhecemos) sofre variação de pessoa para pessoa e de região para região.  (Isto é o que afirma o já citado professor Diógenes Magalhães, em Redação com base na linguística (e não na gramática).)  O que é diferente, portanto, não é a língua, e sim a maneira de usá-la.  Se alguém lhe disser que no Brasil se fala “brasileiro”, você fará muito bem se azarar esse alguém, ou se então perguntar como se conta de um a cem nessa língua imaginária.)  Entretanto, o maior inimigo de Lia Wyler, a meu ver, foi a pressa e a ganância desmedidas dos empresários, que não se preocupam com a arte de traduzir nem com a arte de contar histórias.  Contudo, graças a ela, posso dizer que seus livros são cheios de descrições de cenários fantásticos e de situações extraordinárias, e também são repletos de cartas, avisos, letras de canções, neologismos e diálogos entre inferiores e superiores hierárquicos.  Se tudo isto é fancaria literária, muitos outros livros consagrados como clássicos também são.
     Apesar de haver uma chance de sua mãe nunca fazer parte do grupo de “autores de nomeada”, ela tem muito talento.  Leiamos um trecho do seu quarto livro:
     “A polícia nunca vira um laudo mais esquisito.  Uma equipe de legistas examinara os corpos e concluíra que nenhum dos Riddle[s] fora baleado, envenenado, esfaqueado, estrangulado, sufocado ou, pelo que sabiam, sofrera qualquer tipo de violência.  Com efeito, continuava o laudo, em tom de inconfundível perplexidade, os Riddle[s], tirando o fato de que estavam mortos, pareciam gozar de perfeita saúde.  Os legistas observaram (como se estivessem decididos a encontrar alguma coisa errada nos cadáveres) que cada membro da família tinha uma expressão de terror no rosto — mas, segundo afirmava a frustrada polícia, quem já ouvira falar de alguém morrer de pavor?”
     Agora, leiamos um trecho de Helena, de Machado de Assis, o maior escritor que o Brasil já teve:
     “O conselheiro Vale morreu às 7 horas da noite de 25 de abril de 1850.  Morreu de apoplexia fulminante, pouco depois de cochilar a sesta, — segundo costumava dizer, — e quando se preparava a ir jogar a usual partida de voltarete em casa de um desembargador, seu amigo.  O doutor Camargo, chamado à pressa, nem chegou a tempo de empregar os recursos da ciência; o padre Melchior não pôde dar-lhe as consolações da religião: a morte fora instantânea.”
     Nos dois trechos é possível encontrar o humor com que sua mãe e Machado de Assis tratam a questão da morte.  Ao lermos: “...tirando o fato de estarem mortos, pareciam gozar de perfeita saúde”, e ao lermos: “...nem chegou a tempo de empregar os recursos da ciência”, notamos a maneira finamente humorada e afiadamente irônica de dois literatos de descrever a morte. Fica claro que esta é inevitável, quer se morra de apoplexia, como o conselheiro Vale, quer se morra vítima da maldição da morte, como a família Riddle.  Ainda que possamos apontar a causa da morte inesperada de alguém, como a do conselheiro Vale, não podemos, paradoxalmente, mesmo com “os recursos da ciência” (ou, no seu caso, Harry, com os recursos da magia) explicar nem evitar a morte.  (Dumbledore bem sabe disso, pois foi ele quem nos contou.)  Os médicos trouxas, de modo pedantesco, usam a expressão falência múltipla dos órgãos (mesmo quando se morre de morte natural), e os delegados de polícia usam a expressão ir a óbito, e no entanto são incapazes de dizer por que morremos e por que o coração bate e o cérebro funciona, ou seja: por que vivemos (como bem observou o pensador e dublador Nelson Machado, cuja voz é muito conhecida dos trouxas brasileiros).
     Poderia eu apontar outras semelhanças de conteúdo e estilo, como os recursos folhetinescos que sua mãe e Machado de Assis empregaram, ou as semelhanças iniciais que existem entre D. Úrsula, personagem de Helena, e tia Petúnia.  Talvez eu tenha decidido, arbitrariamente, enxergar tais semelhanças, mas não creio que elas sejam um sofisma que eu tenha criado e nele caído como os tolos que acreditam nas próprias mentiras por força de repetição: sei muito bem que estou no terreno da teoria.  Entrementes, o conteúdo chama mais atenção do que o estilo.  Quando não o acusam de bruxaria, alegam que você, Harry, mostra às crianças coisas horrendas, que podem arrancar a preciosa flor de sua inocência, das quais a morte é, segundo os que o condenam, a pior.  “A morte, não o sexo, é agora o tabu que violamos — a ‘pornografia da morte’ causa-nos excitação.” (José Luiz de Sousa Maranhão, O que é morte, pág. 10, citado por Maria L. de A. Aranha e Maria H. P. Martins, em Filosofando: Introdução à Filosofia, pág. 370.)  “Escondemos a morte das crianças: esse não é mais um tema de conversa entre pais e filhos, elas não mais participam de velórios e funerais, evitamos que assistam a filmes ou ouçam histórias que trazem a ideia de morte à tona.” (Rosely Sayão.)
     Acho, contudo, que você está mudando essa forma de pensar.  O seu legado, porém, reside na leitura.  Como eu disse, esta foi sua maior magia: fazer uma geração gostar de ler.  E como poderia ser diferente?  Com uma história repleta de mistérios, intrigas, alusões ao preconceito racial e social (trouxas e bruxos, Dursleys e Malfoys) e artimanhas políticas do Ministério da Magia somados aos seres fantásticos, lugares incríveis e personagens verossimilhantes, seria surpreendente se milhões de pessoas não o adorassem.
     Não posso dizer que os brasileiros gostam mais de você do que os britânicos, mas acho que aqui sua repercussão foi mais benéfica, porque aí desde cedo as crianças (trouxas e bruxas) leem e, segundo as minhas fontes, estudam latim, o que não acontece aqui.  O Ministério da Educação do Brasil é tão burro e mesquinho quanto o Ministério da Magia foi em 1995 (ano em que acontecem os fatos narrados em seu quinto livro).  O prazer da leitura inexiste nas salas de aula brasileiras, e o mecanismo da escrita não é bem trabalhado, pois estudamos uma gramática que não serve para quase nada.  Lamentavelmente, os professores de língua (e os de outras disciplinas estudadas pelos trouxas) se acomodaram: fizeram exatamente o que Dumbledore disse para não fazermos: escolher o caminho mais fácil.  A maioria dos professores de Língua Portuguesa sonha fazer parte de uma classe média que passeia nos shoppings, dirige um carro e leva à família ao zoológico (como os Dursleys).  Não têm paixão, nem a capacidade de inovar, nem de devanear nas aulas.  Consagram ora a alteração, ora a manutenção do status quo: zelam pela mediocridade e pela mediocracia.  Estamos vendo, todavia, que seus leitores cresceram, e muitos deles serão professores.  Muito diferentes, portanto, serão os futuros professores brasileiros de Português: “uma geração de valor mais alto se alevanta.”   
     Os rapazes, sejam eles imberbes ou barbudos, e as moças que cresceram acompanhando-o durante estes últimos anos estão se sentindo um pouco tristes, pois este mês é o da estreia de seu último filme: o clima de despedida de 2007, ano do lançamento de seu último livro, invade o coração de todos como a frialdade dos dementadores, e é repelido pela certeza do seu legado, que, como um patrono, é fruto de pensamentos felizes.  Muitos ainda irão a eventos (tal como acontecia nos lançamentos de livros e filmes de Harry Potter), vestidos como estudantes de Hogwarts (ou mesmo como dementadores, ou Comensais da Morte) ou simplesmente com camisas em que se leia: “Severo... por favor...”.  Termos e expressões como expeliarmus, wingardium leviosa, Grifinória (Gryffindor), Sonserina (Slytherin), Corvinal (Ravenclaw), Lufa-Lufa (Hufflepuff) e Quadribol (Quidditch) entraram para o vocabulário de seus admiradores (vocabulário esse que se ampliou bastante por sua causa) acompanhados por outras palavras que não são neologismos.  Cabe a pergunta: Quem precisa de bruxaria, se existe tanta imaginação?
     Você não lança ninguém ao mundo da bruxaria: lança ao mundo da leitura e da imaginação.
     Eis tudo o que eu queria dizer.  Obrigado, Harry.
     Recado de seu admirador trouxa,
                                                        
                                                                                   Márcio Alessandro de Oliveira.

     P.S.: Dê meus parabéns a Hermione pela excelente tradução de Os Contos de Beddle, o bardo: graças a ela agora sei que os contos de fada foram alterados para se enquadrarem na ideologia dos tempos posteriores ao seu fazimento.
     P.P.S.: Gostaria de que sua mãe fosse mais cuidadosa ao apoiar instituições de caridade: a mão que dá é a mão que toma.

***

APÊNDICE

     Não é muito fácil usar a palavra se: Às vezes, é conjunção condicional; também pode ser pronome apassivador, ou pronome que indique a voz reflexiva; pode ser pronome pessoal; e há casos em que é índice de indeterminação do sujeito (em muitos desses casos, está ligada ao verbo por hífen, de modo que é conhecida como partícula se).  No caso da tradução brasileira do primeiro parágrafo de Harry Potter and the Philosopher's Stone, a palavra se indica uma terceira pessoa — como se fosse índice de indeterminação do sujeito: foi posta no lugar do vocábulo você, que, no contexto, seria uma imitação servil do you — e servil a tradução de Lia Wyler não é, conquanto seja fiel (como já ficou dito).  O que se lê é: "Eram as últimas pessoas que se esperaria que se envolvessem em alguma coisa estranha ou misteriosa, etc."  Contudo, talvez não seja correto nem adequado o uso da palavra se.  Uma vez que ela indica a indeterminação do sujeito quando o verbo é transitivo indireto (não-direto), ou quando é intransitivo (não-transitivo), não deve ser usada com um verbo transitivo direto, pois o sujeito não está sofrendo a ação.  Veja-se esta comparação: "Precisa-se de pedreiros", ou seja: "Alguém precisa de pedreiros"; precisar é verbo transitivo indireto, porque quem precisa precisa de algo ou de alguém; é exigida a preposição de: com ela o verbo transfere a ação indiretamente.  Agora, um exemplo com verbo intransitivo: "Morre-se em todos os tempos"; morrer é verbo intransitivo: não transfere a ação: ela é um fim em si mesma.  (O verbo também é pronominal, pois todo verbo ligado a um pronome por hífen o é.)  (A preposição em não indica transitividade do verbo: é apenas parte de uma locução adverbial de tempo, ou seja: de uma expressão que tem valor de advérbio de tempo.  É possível desprezá-la; logo, pode-se ler isto: "Morre-se".)  Nos dois casos o se indica um sujeito indeterminado.  Basta saber a classificação sintática do verbo (se transitivo indireto ou intransitivo).  A voz verbal já não é importante.  Em outras palavras, não é de mister saber se o sujeito é agente (o que pratica a ação; voz ativa), paciente (o que sofre a ação; voz passiva, que pode ser sintética ou analítica) ou reflexivo (o que sofre e pratica a ação ao mesmo tempo, como na frase: "Ela se ama"; voz reflexiva).  Só é imprescindível ter em mente a voz verbal (além do tipo de verbo) quando o se está ao lado de um verbo transitivo direto, como neste exemplo: "Esperam-se notícias" (voz passiva sintética, ou pronominal), isto é: "São esperadas notícias" (voz passiva analítica).  Quem espera espera algo ou alguém: a ação é transferida sem preposição.  O sujeito (notícias) sofre a ação de ser esperado: a voz é passiva: a palavra se é pronome apassivador.  
       Ora, esperaria é forma verbal de esperar, que é verbo transitivo direto, e não indireto.  Portanto, muito melhor seria ler isto: "Eram as últimas pessoas que alguém esperaria ver envolvidas em alguma coisa estranha ou misteriosa, etc."
       (Há casos em que esperar é verbo transitivo indireto, como na oração: "Esperarei por você", mas não é esse o caso de nenhum dos parágrafos anteriores, nem mesmo daquele em que se lê o trecho vertido por Lia Wyler.)
     Não é este um comentário gramatiqueiro: é só uma observação feita a título de curiosidade (observação esta que não pôde ser feita na Mensagem por causa da falta de espaço).  Não há intenção de reclamar de forma rabugenta.  Podem as questões de gramática não ser imprescindíveis, mas são importantes.

                                             Duque de Caxias (RJ), 11 de novembro de 2012.  

     

2 comentários:

  1. Márcio,
    amei sua carta. No inicio achei que fosse ser parecido com o que faço no www.literaturaesquizofrenica.blogspot dá uma olhada depois. Mas depois vi as comparações com outros textos e os comentários sobre tradução. Achei genial! Gostei muito da ideia... E fiquei muito afim de conversar com vc sobre livros. Me adiciona no face: Lua Isis Afrodite Marilia Costa. Sua escrita é madura e seus comentários muito pertinentes. Virei sempre! Seguindo! Beijos!

    www.viagensinterliterariasalua.blogspot.com.br
    www.literaturaesquizofrenica.blogspot.com.br

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  2. Obrigado, Lua.

    Fico contente por saber que gostou da Mensagem para Harry Potter.

    Você está na minha lista de amigos do Facebook. Estou seguindo os seus blogs.

    Saudações.

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