domingo, 14 de dezembro de 2014

ENTREVISTA COM O ESCRITOR THIAGO LUZ


       Os leitores que ainda não se desfizeram do hábito mercadológico de ler tão só os livros que fazem sucesso e recebem destaque nos veículos mais prestigiados de comunicação deveriam conhecer os motivos para abandonar esse vício.  Um deles é a produção literária de Thiago Oliveira de Carvalho, que usa o nome artístico Thiago Luz.
       O escritor carioca, nascido em 1982, já recebeu prêmios e um bom número de troféus.  Para mencionar alguns: 1º lugar no XXVII Concurso de Poesia “Brasil dos Reis”, na categoria nacional verso livre (Angra dos Reis/RJ), em 2012; o 2º lugar no Prêmio UFF de Literatura, na categoria crônica, em 2013; e o 1° Lugar no 1º Concurso Nacional da ABRAMMIL (Academia Brasileira de Medalhística Militar) em poesia livre, em 2014.
       Seus versos são de um lirismo rico em metáforas, e sua prosa também.  Seu romance, Bravo!  Quando os homens se tornam Heróis, não é um bestseller, mas merece um lugar de mais destaque (sobretudo quando se nota a qualidade de certos livros, que, a despeito do lucro, desperdiçam o espaço de prateleiras de grandes livrarias).
   Quem não conhece Thiago Luz pode conhecer-lhe a trajetória literária em seu site (http://www.thiagoluz.com.br/THL/) e em seu blog (http://www.blogthiagoluz.blogspot.com.br/).  A falta de conhecimentos prévios sobre o autor não torna menos interessante a entrevista que se pode ler abaixo.


       RP: Apesar de ser jovem (como se isso fosse um impedimento), você tem uma produção rica e muitos prêmios.  Quantas horas por dia você gasta escrevendo?
       TL: Sou um cara muito indisciplinado no que se refere ao ato de escrever. Não tenho um horário ou uma quantidade de horas por dia, mas estou sempre escrevendo, tento escrever pelo menos uma hora por dia, mas nem sempre dá. Muitas vezes eu fico “escrevendo” mentalmente, até digerir completamente a ideia ou uma parte do texto para só então evacuar minha arte num papel ou na tela do computador.

       RP: Você é técnico em mecânica, e chegou a cursar Engenharia.  Por que escolheu áreas tão diferentes das ciências humanas e da literatura? (Talvez esta pergunta não tenha muita razão de ser.) 
         TL: Eu comecei a fazer o curso técnico de mecânica com 15 anos, apesar de eu já ter gosto pela escrita naquela época, não pensava em publicar ou mesmo mostrar para os outros o que escrevia, era algo meu, como um diário. Enfim, queria ter uma profissão, algo que me possibilitasse uma melhora material. Com a engenharia foi um pouco diferente porque eu já tinha passado num concurso público... Fazia UERJ e lá pelo sexto período eu já estava matando aula pra ficar na Quinta da Boa Vista escrevendo, então chutei o balde...

         RP: O seu gosto pelo trabalho de escrever se manifestava na infância e na adolescência?
     TL: Comecei a escrever lá pelos 14 anos, influenciado pelas letras do Renato Russo, daí a começar pela poesia e não pela prosa: a ideia inicial era criar canções, que acabou desaguando na poesia. A prosa veio bastante tempo depois e nasceu pela necessidade de dar vida a um personagem...

       RP: Quais foram as primeiras reações de amigos e familiares quando souberam que é escritor?  Como as outras pessoas reagem quando descobrem que você é prosador e poeta?
     TL: Muitos só descobriram quando eu passei a receber prêmios ou ter textos publicados em antologias. Posso estar errado, mas acho que alguns deles gostam mais dos troféus que eu ganho do que dos textos que eu publico, enfim, acho que a maioria das pessoas não liga pra literatura e muitos só leem o que está na moda ou entre os mais vendidos. De uma forma geral, as pessoas só passam a te considerar artista quando você faz sucesso, aparece na Globo, no Jô, coisas do tipo, se não faz, encaram isso como um hobby, algo que você faz quando não está ganhando dinheiro num trabalho convencional.

       RP: Escreve à mão?  Faz muitos rascunhos?
       TL: Às vezes sim, mas geralmente no computador. O rascunho é fundamental. Ele pode ser uma péssima obra, mas é um ótimo ponto de partida. Eu gosto muito de anotações, acho que todo poeta ou escritor gosta, porque uma frase pode se tornar um poema, duas ou três linhas em prosa uma crônica ou um conto. Mas estou tentando ultimamente algo mais beat, isto é, uma escrita espontânea, deixar as ideias simplesmente caírem no papel e ver no que dá, sem maquiagem, sem trabalhar o texto, talvez fique mais pobre aos olhos da crítica, mas me soa mais verdadeiro.

       RP: Consegue escrever em qualquer lugar?  Ou tem um lugar reservado para isso?
   TL: Consigo pensar literatura em qualquer lugar, até dirigindo, mas escrever não. Esses pensamentos depois vão para o papel. Não tenho nenhum lugar reservado, mas gosto de estar sozinho, concentrado, sem ninguém conversando ao meu lado. Música e álcool ajudam, mas não são fundamentais.

        RP: Já sentiu bloqueio?  Se sim, como lidou com ele?
     TL: Todo dia... Escrever é romper a inércia mundana. Quando você consegue se livrar das amarras do mundo e mergulhar dentro de você mesmo, aí sim o bloqueio vai embora... Alguns dias eu consigo com facilidade, em outros escrever é uma guerra, cada palavra é uma punhalada no muro que te prende. Escrever é difícil, não escrever é impossível.

        RP: Tem algum segredo para se manter inspirado?
     TL: Sim... Ler e observar. Outros escritores me inspiram, me dão ideias, me deixam mais sensíveis à minha literatura. Esse diálogo é fundamental, assim como perceber o que acontece ao nosso redor. O cotidiano, as pessoas, a forma como elas falam, tudo isso é ingrediente literário.

       RP: Os escritores têm a necessidade de dizer algo ao mundo.  Sente-se como portador de uma visão de mundo a ser compartilhada?  (Acho que esta pergunta caiu no óbvio.)
        TL: Já fui mais espiritualista nesse sentido, aquela visão do Romantismo do escritor possuir uma verdade que deve ser revelada ao mundo, de ter um dom divino que deve ser compartilhado com a humanidade... Hoje, estou mais ateu em termos de literatura. Todos temos uma visão de mundo, e quanto mais desgarrada do senso comum, mais literária ela se torna, na minha opinião. Mas eu não tenho verdades: sou um grande mentiroso... rs

       RP: Em sua opinião, qual é a importância do escritor hoje?
      TL: Academicamente, a resposta seria fácil, e tem aquele clubinho que todo mundo conhece... Machado, Castro Alves, José de Alencar... mas a pergunta se torna difícil se pensarmos socialmente... eu nunca parei pra pensar sob a ótica de quem não está diretamente ligado à literatura ou que não tem o hábito de leitura. Você só sabe a importância de um lixeiro na sociedade quando ele faz greve e o lixo se acumula pelas ruas... É assim com quase todas as profissões... De um médico quando fica doente, de um motorista de ônibus quando precisa ir pro trabalho... Mas um escritor... Eu acho que eu, enquanto escritor, não tenho importância nenhuma para a sociedade. Enfim, existe toda aquela coisa da literatura te auxiliar na sua relação com o mundo, e o escritor ser o cara que te guia por esse labirinto, mas vejo na minha “desimportância” uma coisa quixotesca... É uma aventura... Não são  moinhos de vento, não podem ser só moinhos de vento! E quando você passa a enxergar a vida como uma aventura, enfrentando os dragões do cotidiano, escritores se tornam mais importantes do que o apresentador do programa de sábado à tarde ou o camisa 10 da seleção.

       RP: Bravo!  é um romance cuja história gira em torno de Cris Iório, letrista e vocalista de uma banda de sucesso.  Ele é sensível, polêmico, inteligente e cheio de problemas e feridas na alma.  Há traços autobiográficos em seu romance?  Cris Iório é seu alterego? 
       TL: Sim, posso dizer que sim.
      
       RP: Quando e como surgiu a ideia de escrever a história de Cris?
       TL: Sempre gostei muito de rock e de alguns artistas como Renato Russo, Cazuza, John Lennon, Jim Morrison... Então, o Cris carrega muitas semelhanças biográficas desses ícones do rock. Junto com isso, vem a questão autobiográfica, que eu gosto de usar de forma a confundir realidade e ficção, para que o leitor se questione mesmo: isso aconteceu? Lógico que o Cris é uma invenção, mas as coisas vivenciadas pelo personagem são baseadas em fatos reais? Não sei. Não respondo sobre isso.

       RP: Foi uma tarefa difícil escrever sobre um personagem tão atormentado e deprimido?  Isso gerou uma sobrecarga emocional? 
       TL: Sim. Beijei demônios para escrever esse livro. Foi difícil. Tenho alguns projetos com o personagem, um livro de contos e outro romance, mas foi tão desgastante que deixei pra lá... Talvez um dia escreva novamente sobre o Cris, por hora, sigo sozinho. Cris Iório está de férias por tempo indeterminado.

       RP: O romance começa com textos jornalísticos.  Agrada-lhe a ideia de ser comparado a Jorge Amado?
       TL: Soa como um elogio, embora eu não goste de comparações.

       RP: Poesia não é um gênero muito publicado; no entanto, estão à venda os livros Fragmentos Noturnos e Fragmentos de um Vencido.  A que você atribui a recepção e publicação dos seus versos? 
       TL: Precisava publicar, é um rito pelo qual todo poeta ou escritor deve passar. Preferi começar pela poesia porque foi o meu caminho inicial na literatura, daí a lançar Fragmentos Noturnos em 2012. Com Fragmentos de um Vencido, apareceu a oportunidade de publicar em Portugal em 2013 e eu aproveitei. Talvez escreva mais um livro de poemas em fragmentos para completar a trilogia.

       RP: Se tivesse de escolher, que seria: parnasiano ou modernista?  E por quê? 
       TL: Modernista. Prefiro a liberdade e a temática cotidiana dos modernistas. Parnasiano tem som de mofo e cheiro acinzentado.

       RP: Acompanha a edição de seus livros?  Já viu alguma alteração feita por revisores que não tenha sido aprovada por você?
       TL: Eu fiz a revisão dos três livros. Ainda não passei por essa experiência desagradável de ter um sabichão me ensinando a escrever os meus textos... rs... Mas quando respeitam a liberdade criativa do artista, desempenham uma função importante, limpando o texto de impurezas (os erros de digitação, por exemplo), permitindo um trabalho final mais belo para o leitor.

       RP: Obrigado pela entrevista.  Agora, a última pergunta: Gostaria de deixar um recado para seus fãs e leitores?
       TL: Leiam!!!

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